PARTE I - God save the queen!

/
24 Comments


O dia começa bem agora, no meio da noite. Há uma banda tocando no meio da sala de casa, e os caras tocam Sex Pistols. Não presto atenção em nada além do copo de bebida em minhas mãos e do barulho em meus ouvidos, tanto da música quanto dos gritos – internos e externos. Bill, o guitarrista, tirou a camisa no mesmo instante em que o meu celular tocava. Eu não queria atendê-lo. Eu não precisaria atendê-lo. Estou ouvindo seu toque ao mesmo tempo em que não o escuto, tudo porque o rock'n'roll não é algo sobre o qual eu tenha o poder de raciocinar, mas algo que me toma por inteiro – e eu sabia que o mesmo ocorria com todos aqueles adolescentes ali, a minha volta. Todos os olhares estão voltados para Earl, que agora canta God Save the Queen mais empolgado do que nunca. Ou pelo menos é o que consigo imaginar durante toda a minha cegueira naquele lugar. O espaço é pequeno, e os caras fazem um barulhão:
God save the queen
We mean it, man
We love our queen
God saves!
O chão onde piso está repleto de rancor, suor, e desejo, e eu comumente chamo isto de libertação. Karolyn chega até mim sorrindo e me oferece um cigarro. O suspiro que dei nesse momento me surpreendeu: indicou o mais intenso dos alívios. Meus dedos não hesitaram em pegar o isqueiro no bolso de minha jaqueta de couro, ao lado das chaves da minha Ferrari Spider, logo percorrendo a roldana de metal engelhado uma, duas, três vezes. Por fim a faísca, com um significado conotativo grandiosamente capaz de iluminar todo o meu rosto. Ela encostou sua boca na minha e colocou sua mão desocupada sobre os meus ombros, não demorando mais do que cinco segundos para voltar ao mesmo local de onde partira ao meu encontro. Dou a primeira tragada enquanto a observo caminhando em direção ao bar improvisado que montamos sobre a mesa de jantar. A maquiagem escura e forte em seus olhos cinzentos está borrada pelo suor, o que a torna ainda mais atraente. Ela está vestindo um par de botas de couro preto, meia-arrastão, uma camiseta nova do Bad Religion e um shorts jeans velho e desfiado – o fato de aquilo ser uma antiga calça minha é um ótimo fertilizante para a mente.
Alguns gritos estridentes surgem naquele mundo à parte, e eu volto o meu olhar para a banda: Bill agora pula, envolvido pelos solos da própria guitarra, e Earl está a mil por hora. E eu estou realmente viajando legal, embora meus pés não se movam nem um centímetro sequer. Me dei conta de que meus olhos estão fechados, e trato de abri-los, vendo, naquele mesmo instante, pessoas pulando, se sacudindo e assistindo ao Bill levar o microfone até sua boca e berrar cada vez mais alto a letra:

Oh, God, save history
God, save your mad parade!

Estamos encharcados de ondas sonoras repletas de ira, tanto quanto a nossa personalidade.
E eu sabia que todos ali queriam a mesma coisa...

We're the flowers
In the dustbin
We're the poison
In your human machine
We're the future
Your future!


(...) CONTINUA (...)

(Obrigada, Guilherme. Liberdade!)