[Conto premiado pelo 16º Concurso Mansueto Bernardi] Metalinguagem Escheriana

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O escritor chegou, e se sentou na mesa. Encarou o relógio, mas não viu as horas. Olhou o café, mas não tomou. Ter coordenação motora para arrumar as malas naquela tarde, tinha. Já a coragem, estava em falta.
A sanidade, tentou encontrar dentro da garrafa de Beaucastel jogada no chão de sua sala de estar, potencializando o tapete bege dando-lhe um novo tom ensanguentado.
A garrafa, tão vazia quanto teus olhos.

Tirou o papel da terceira gaveta, então,
e a caneta de cima da mesa. Estralou os dedos e encheu os pulmões de ar:
o estopim.
Então falou sobre eternidades. Falou sobre páginas viradas, sobre amores gravados nas cartas que enviou, cravados intactos no peito. Tatuados na pele. Estampados no olhar. E o escritor falou entre fortes doses de ironia e humor. Riu, quase chorou — ignorou a demência do sorriso.
Pôs o chapéu sobre a mesa, pendurou o terno no cabideiro.
O escritor esfregou as mãos. E então falou dos muros do coração, falou dos destemperos que acabam por compor a razão. E as horas, ah!, voavam como um furacão...
O escritor sentiu o aroma do café e, em busca de novas sensações, rendeu-se. Pro estranho do bar disse que não gosta de sair, mas que saiu apenas pra fugir da empregada, que fazia a faxina da casa enquanto ele passeava desarrumando a luz da tarde. O estranho o fitava, e ele infelizmente compreendia. Mas qual a origem da simetria, afinal? Procurou a saída, cambaleante.
O escritor então largou a caneta. Voltando a si, fitou sua mesa: a saída estava mesmo em sua frente. Essas "portas" de papel... ah!, essas, sim, estavam sempre preenchidas. Sempre repletas. Sempre refletindo, sempre transmitindo. Sempre...